Quatro proprietários de mídia independente sobre dinheiro, sustentabilidade e “fazer coisas mais legais e estranhas” - Parte 2 (final)
A segunda e última parte do artigo do NiemanLab com entrevistas e histórias sobre iniciativas independentes e digitais de jornalismo nos EUA para inspirar futuros empreendedores
Continuando a conversa iniciada quizena pasada sobre o novo podcast, Never Post, lançado no final do mês passado, que pretende celebrar a arte de escrever e contar histórias sobre a cultura da internet. O podcast é produzido por uma equipe de seis pessoas, que também são os donos da mídia. Para o primeiro episódio, o apresentador Mike Rugnetta arrancou conselhos para o novo empreendimento de uma mesa redonda de proprietários de mídia independente: Gita Jackson, cofundadora e redatora da publicação de videogame Aftermath; Alex Sujong Laughlin, coproprietária e produtora de podcast da Defector Media; e Rusty Foster, proprietário e redator da newsletter Today in Tabs. Vamos pegar a conversa onde a gente parou.
SUJONG LAUGHLIN: Acho que muitos de nós pensamos na sustentabilidade como o ápice do que almejamos nesses novos projetos, porque muitos de nós já vimos repetidas vezes que nossos chefes gastam toneladas de dinheiro em coisas estúpidas enquanto estamos nos destruindo tentando alimentar a besta e manter a coisa funcionando.
Fico maluco ao pensar em quanto da minha vida, da minha criatividade e da minha energia eu dei a essas empresas que não duraram e que, francamente, não merecem o que eu dei (a elas) e não merecem o que tudo os meus colegas deram (a elas).
A última década foi marcada por esse boom que se refletiu em escritórios sofisticados, títulos bacanas e salários realmente altos. Uma coisa na conversa sobre sustentabilidade sobre a qual estou realmente curioso, e para a qual não tenho uma resposta, é: Qual é o mínimo que estamos dispostos a aceitar se isso significar que estamos negociando para obter um modelo de negócio mais sustentável? Fala-se muito sobre transparência salarial, quanto valemos e defendemos e quanto deveria ser o nosso salário.
Há tantas pessoas que eu nunca, jamais, sugeriria que trabalhassem na Defector porque nosso salário base é de US$ 72.000 anuais e [eles] ganhavam isso há 10 anos. Mas você não pode ter funcionários da Defector ganhando US$ 200 mil. Você simplesmente não pode. O dinheiro não sustenta. Acho que há espaço para uma conversa mais sutil sobre coisas como: o que devemos uns aos outros em relação ao que ganhamos individualmente? E se ganhamos menos individualmente, como estamos investindo mais no coletivo?
JACKSON: Essa é uma conversa que tivemos muito no Aftermath. Estamos apenas começando e não sabemos onde está o limite máximo de quanto dinheiro podemos potencialmente obter por meio de assinaturas, ou se existem ou não outros modelos de receita que possamos explorar. O que a 404 Media faz (é uma empresa de mídia digital fundada por jornalistas que explora as formas como a tecnologia está moldando – e é moldada por – nosso mundo), que eu gosto muito, é ter alguns anúnicos em visualicão limitada, alguns anúncios. Não tantos como se você acessasse um site da Vice agora, [onde] parece que seu telefone começa a parecer um dispositivo que vai explodir a qualquer moomento de tanta mensagens piscantes.
RUGNETTA: Eu chamo isso de “fenda de conteúdo”. Existem tantos anúncios que você precisa ler o conteúdo por praticamente uma brecha, uma fenda entre a programática.
JACKSON: É como ler uma caixa de correio, apenas uma frase de cada vez. É horrível. [No 404], eles são capazes não apenas de obter receita publicitária das páginas gratuitas, mas se você for assinante, terá a vantagem adicional de não ter anúncios, o que é uma vantagem maravilhosa de poder oferecer.
Temos uma certa quantia de dinheiro que acho que alguns de nós gostariam de ganhar, como pagar hipotecas, boletos, etc. Simplesmente somos apenas cinco. Então, quanto podemos dar a esta empresa sem nos esgotarmos, a fim de criar receita suficiente para que todos possamos apoiar uns aos outros e, possivelmente, crescer e começar a ter freelancers e apoiar outras pessoas?
RUGNETTA: Parece que houve uma mudança em que talvez 10, 15 anos atrás, muitas pessoas estavam dispostas a se esforçar muito - talvez muito esforço - pela quantidade de dinheiro que recebiam neste tipo de trabalho para o prestígio das pessoas para quem eles estavam fazendo esse trabalho. Parece que a mudança agora é no sentido de colocar mais esforço no trabalho que estão fazendo, não pelo prestígio das pessoas para quem estão fazendo isso, mas porque se sentem membros de uma comunidade e que eles devem isso a seus colegas de trabalho por fazer algo em que todos têm interesse e estão entusiasmados.
O que talvez seja um pouco mais nobre, mas também pode significar que você provavelmente fará ainda mais trabalho do que não deveria, porque sente que há mais um custo social nisso, ou mais um aspecto social movendo isso.
JACKSON: Repetidas vezes, tive que entender que um trabalho não retribui o amor. Posso amar o jornalismo, posso amar pessoas específicas no jornalismo e posso tentar transmitir orientação a outros escritores mais jovens. Mas parte disso tem de ser garantir que as pessoas tomem medidas que sejam boas para elas próprias, para a sua saúde mental e para o seu bem-estar mental, e que não sejam boas para o trabalho ou para a indústria. Você tem que se colocar em primeiro lugar porque o trabalho nunca irá colocá-lo em primeiro lugar. Você tem que ser a pessoa que pensa sobre isso. Sou muito egoísta agora com meu tempo. Você não vai falar comigo no fim de semana. Isso não acontece. Não respondo e-mails depois das 19h. Isso simplesmente não está acontece.
Isso torna o trabalho melhor se você não estiver trabalhando 24 horas por dia, 7 dias por semana. Eu adoraria que as pessoas que estão nas trincheiras e pensando que isso os torna melhores jornalistas ou melhores escritores, entendessem que é apenas uma forma diferente de trabalhar e não é melhor. Muitas vezes talvez seja melhor tirar um fim de semana e sair de férias.
FOSTER: Eu estava pensando sobre isso e como a estrutura da mídia cooperativa não contribui para padrões de trabalho mais saudáveis. Com o Tabs, as pessoas me pagam diretamente por isso. Existe o menor ciclo de feedback possível entre o que faço e por que ganho dinheiro. As pessoas que me pagam, eu sei quem são e tenho todos os seus endereços de e-mai. Então não perco tempo fingindo que trabalho, porque não adianta. Eu trabalho para mim. Eu faço o trabalho que preciso e depois vou passear com o cachorro ou algo assim.
Esperançosamente, trabalhar em uma estrutura cooperativa onde você também é proprietário, não apenas um funcionário, deixa mais claro que o trabalho que você faz tem um feedback imediato na renda que chega. Não há aquela separação entre, tipo, “Oh, alguém está me pagando para fazer um trabalho e eu tenho que estar aqui e agir como se estivesse fazendo um trabalho”, e uma misteriosa nuvem de recursos pairando em algum lugar e você realmente não sabe de onde veio ou como isso funciona. A estrutura cooperativa é realmente emocionante para mim: ver tudo isso começando, porque acho que muda significativamente essa equação.
SUJONG LAUGHLIN: Acho que isso é definitivamente verdade. Mas como alguém que não faz parte da equipe fundadora do Defector - entrei há dois anos na empresa-, tive muito tempo para estabelecer minhas noções de como é por fora e depois ver como é por dentro. E essas questões ainda surgem.
Estamos em um projeto agora onde todos estão registrando como passamos nossos dias porque estamos tendo uma grande conversa sobre como estamos gastando nosso tempo. Quais são os nossos cargos? Como podemos prestar contas uns aos outros de uma forma que não seja punitiva? Isso tem sido muito difícil às vezes. Essas conversas são muito, muito tensas. Todo mundo está chegando com uma tonelada de trauma. Todo mundo está se sentindo realmente na defensiva por diferentes razões. Tivemos nosso retiro anual no outono e no final eu estava exausta. Um monte de gente ficou doente depois porque estávamos tão esgotados e bebendo todas as noites…
[Drenado] mentalmente, emocionalmente, provavelmente simplesmente por não comer o suficiente. Lembro-me de dizer ao Jasper Wang [cofundador e vice-presidente de receitas e operações] que este é um trabalho árduo e é um privilégio trabalhar nesses problemas, mas eles ainda são problemas. Eu meio que pensei que entrando nesse novo modelo, muitas dessas questões iriam desaparecer. E não. Elas apenas parecem um pouco diferentes. Mas ainda são coisas que precisamos desembaraçar.
RUGNETTA: Como é que todos chegam a um ponto em que estão prosperando, não apenas sobrevivendo, e então olham uns para os outros e dizem: “OK, agora como podemos resolver os problemas sistêmicos?”
FOSTER: E se pudéssemos ter seguro saúde? Minha esposa tem um emprego de verdade, e é a única razão pela qual tenho seguro saúde.
SUJONG LAUGHLIN: Cuidado infantil? Creche?
RUGNETTA: Cuidado infantil! A questão que estou colocando aqui é: de onde vem a liderança da indústria que não se parece com liderança - para que possamos descobrir como todas estas entidades individuais, tanto pessoas individuais como organizações individuais, trabalham em conjunto e desenvolvem normas?
Alex, eu sei que a Defector publica todas as suas informações financeiras, todas as suas taxas de freelancer e todas as suas políticas de pagamento. A Defector vê isso como liderança do setor ou é outra coisa?
SUJONG LAUGHLIN: Eu definitivamente acho que o pessoal da Defector leva muito a sério que as pessoas estão observando o que estamos fazendo, e cada vez que fazemos algo novo, pensamos, vamos conversar sobre como isso geralmente é feito. Por que isso é feito assim? Queremos fazer isso? E grande parte da transparência sobre como trabalhamos com freelancers foi escrita em colaboração com o Freelance Solidarity Project.
Algo que falamos muito na Defector é essa ideia de ter uma estrutura equitativa. Ter uma empresa onde todos são coproprietários e todos são tratados como igualmente valiosos nem sempre significa necessariamente que todos tenham as mesmas responsabilidades profissionais ou nível de poder. Acho que é algo muito importante a se pensar porque, infelizmente, somos todos humanos e os líderes sempre surgirão de um grupo de humanos. Acho bobagem tentar fingir que essas pessoas não existem. Mas isso é apenas para dizer que acho que há espaço para falar sobre liderança e falar sobre uma centralização de discussões ou decisões ou o que quer que seja, sem que isso se torne uma coisa política tóxica, horrível, que reproduza a mídia que deixamos.
JACKSON: Uma das coisas mais úteis que fizemos na formação do Aftermath foi entrar em contato com Defector, 404 Media. e Hell Gate e perguntar-lhes sobre todas as suas provações e tribulações. Existe agora uma quantidade muito pequena de conhecimento institucional sobre como fazer estas coisas. Em vez de existir uma estrutura social ou uma estrutura económica que nos agrupe a todos, precisamos fazer nós próprios essas ligações.
Fazer parte do sindicato da Vice e do Gawker foram as duas coisas que me deram as melhores ferramentas de sobrevivência no jornalismo para saber o meu valor e saber como lutar por mim mesmo e como sublimar o meu próprio ego em termos de beneficiar o grupo - pensando nas coisas em termos de “estamos todos juntos nisso”. Uma comunidade entre nós é a única maneira de nos apoiarmos mutuamente de forma eficaz.
SUJONG LAUGHLIN: Quero acrescentar que se os ouvintes quiserem iniciar um site cooperativo de propriedade de funcionários, você pode entrar em contato com qualquer pessoa que trabalhe na Defector. Temos um documento chamado “Como fizemos isso” e, basicamente, é um documento de 10 páginas que explica como estamos organizados, todos os tipos de coisas chatas de negócios que você precisa saber. Isso é algo que distribuímos o tempo todo.
RUGNETTA: Rusty, estou realmente curioso sobre a sua visão panorâmica observando os navios passarem, a ideia de organizações de mídia trabalhando juntas, esse tipo de estrutura de coalizão que poderia surgir. Como você se sente com isso?
FOSTER: Uma das razões pelas quais estou animado para fazer este programa é porque estou muito curioso para saber como é trabalhar dentro de uma cooperativa de mídia, como alguém que não se dá bem com os outros e adora trabalhar sozinho. Eu queria ouvir o que Gita e Alex tinham a dizer.
Como um veterano da Internet, todas essas coisas que você tem dito me lembram muito de como a blogosfera se desenvolveu e o arco dessa comunidade. Algumas ferramentas foram criadas, surgiram blogueiros, você poderia simplesmente criar um site e começar a escrevê-lo. Isso era uma coisa nova no mundo que não existia antes. As pessoas que começaram a fazer isso se tornaram uma comunidade. Ninguém estava realmente nisso por dinheiro; não havia nenhum dinheiro nisso. As pessoas só faziam isso porque gostavam de fazer. E a comunidade se formou.
Então entrou um monte de gente com dinheiro. Foi inundado de gente com dinheiro por um tempo. Então tudo desabou e aquelas pessoas desapareceram e todo mundo ficou tipo, ah, não, não há mais negócios em blogs. Mas olhe ao redor da mídia agora. Blogar é a mídia. Os blogs venceram.
JACKSON: O que mais é uma newsletter além de um blog? É para lá que todo o dinheiro das pessoas vão. Eles acessam o Substack e outras newsletters relacionads, e isso é na verdade apenas um blog.
SUJONG LAUGHLIN: O mesmo acontece com os podcasts.
JACKSON: Sim, podcasts são apenas blogs falantes! O blog sairá por cima. A ideia do blog, como eu queria começar a escrever, é muito acessível. Odeio usar essa fraseologia, mas parece um pouco punk rock. A ideia é que qualquer um possa tocar violão, basta pegá-lo e tocá-lo. Qualquer um pode ser escritor. Basta escrever e colocar na internet. E seu sucesso não é garantido. Mas escrever por escrever é algo que agora é valorizado novamente nesses minúsculos micro nichos de podcasting e blogs. O que me dá esperança, em termos de negócios pessoais, é que vejo pessoas se inscrevendo e dando dinheiro para apoiar escritores que escrevem coisas que consideram valiosas. E eu me lembro de quando esse era um modelo de negócios muito lucrativo, e as pessoas podiam ganhar a vida com isso, publicar livros e criar famílias com ele. Espero ver um retorno a isso, não contaminado pelas mesmas forças que arruinaram o blog.
FOSTER: É um novo mundo na internet em termos de pessoas dispostas e prontas a pagar apenas por escrever que gostam. Muitas pessoas conseguem encontrar um público grande o suficiente e disposto a pagar por ele o suficiente para ganhar a vida, estou convencido. De certa forma, são tempos sombrios, mas de certa forma também é como se ninguém resolvesse a mídia, exceto temporariamente. Eu ainda acredito que isso é verdade. Acho que tudo o que estamos fazendo é temporário. Mas também observei 20 anos de pessoas resolvendo temporariamente uma coisa após a outra, e as pessoas ainda conseguem ganhar a vida. Não é necessariamente fácil, mas pode ser feito. Continue fazendo isso.
E você? Acha que a realidade americana reflete a brasileira de alguma forma? deixe aqui o seu comentário.