O céu e o inferno no modelo de negócio das assinaturas de conteúdo noticioso
Dois estudos mostram dificuldades de jovens leitores e o que quer a maioria quando decide assinar um serviço de notícias online
Dois textos sobre assinaturas de notícias online me chamaram a atenção nas últimas semanas. Um deles é do já citado aqui NiemanLab e discorre sobre o consumo de notícias online e a disposição dos jovens de pagar por este conteúdo num mundo onde o consumo de Jornalismo parece estar em todos os lugares, menos nos poprtais de notícias. O outro é um dos inúmeros desdobramentos do Digital News Report 2023, do Reuters Institute/Oxford University e fala sobre o que leva, afinal, pessoas a optarem por assinar um jornal online. Primeiro, vamos ao texto impecável do NiemanLab, assinado pelos feras Mark Coddington and Seth Lewis.
“Com a mudança contínua de sites de notícias gratuitos para sites que exigem assinatura para acesso, pesquisadores levantaram questões sobre os efeitos disso no recuo no conhecimento de notícias, ou seja, na compreensão básica dos principais fatos sobre assuntos públicos. Em um mundo de paywalls, como um estudo perguntou, “como o jornalismo pode fornecer notícias de qualidade para todos?”
Dito de outra forma: à medida que mais e mais pessoas “pulam” os acessos pagos, lendo cada vez menos notícias locais, especialmente, o que acontece com a compreensão geral do público e o conhecimento do cidadão? Esta questão parece particularmente pertinente para os jovens que, supostamente, têm menos interesse em notícias e menos disposição para pagar por isso – e, portanto, menos propensos a desenvolver hábitos de assinatura de notícias que os seguirão (e seus filhos) ao longo do tempo."
A dupla cita que, embora estudos acadêmicos tenham analisado muitos aspectos da disposição das pessoas para pagar por notícias, eles não se aprofundaram na experiência qualitativa de notícias baseadas em assinaturas, especialmente para jovens usuários de notícias não assinantes. Marianne Borchgrevink-Brækhus e Hallvard Moe, ambos representantes da MediaFutures no Departamento de Ciência da Informação e Estudos de Mídia da Universidade de Bergen, na Noruega, tentam fazer exatamente isso em seu novo artigo em Estudos de Jornalismo, “O peso da assinatura: como os jovens experimentam assinaturas digitais de notícias”.
A pesquisa foi realizada na Noruega, que, segundo o artigo, “cria um contexto de caso interessante para estudar experiências com conteúdo pago, pois é considerado o mercado mais maduro do mundo para notícias on-line baseadas em assinatura”. Portanto, se os adultos mais jovens ficam desanimados com as assinaturas na Noruega (nenhum pagava), pode-se presumir que ficariam ainda mais em outros lugares. Neste estudo, os pesquisadores implantaram um pacote de três métodos: entrevistas (duas rodadas), diários de mídia (onde os participantes escreveram sobre suas experiências com notícias) e um período de assinatura de teste de um mês (para um jornal online norueguês de sua escolha).
Os pesquisadores descobriram três tipos principais de experiências com notícias de assinatura que ajudaram a explicar por que esses jovens não pagam. A primeira experiência foi a falta de exclusividade, incluindo a sensação de que conteúdos semelhantes poderiam ser encontrados gratuitamente em outro lugar. Mas essa dimensão também incluía uma reviravolta curiosa: “o conteúdo noticioso não deve parecer muito exclusivo, no sentido de restrito. As histórias cobertas apenas por um site de notícias, geralmente local ou regional, foram valorizadas como menos importantes ou até desnecessárias pelos informantes: eles se sentiram menos obrigados a ler sobre isso e se abstiveram de pagar.” Curiosamente, também, “após o término do período de assinatura, muitos lutaram para distinguir entre que tipo de conteúdo exigia pagamento ou não”. Isso não é um bom sinal para o entendimento do modelo de negócios de notícias pagas.
A segunda experiência: as assinaturas são muito demoradas. Nesse caso, em vez de ver sua assinatura de teste de um mês como um substituto para suas soluções alternativas anteriores para acessar conteúdo com acesso pago, muitos dos participantes do estudo usaram a assinatura principalmente como um complemento aos hábitos de notícias existentes - tornando assim a experiência de continuar a pagar suas assinaturas "uma tarefa desgastante".
O terceiro tipo de experiência foram modelos de pagamento pouco atraentes, o que talvez não seja surpresa para quem já experimentou a frustração de tentar iniciar ou interromper assinaturas de notícias online. Assim como os participantes do estudo se sentiram “presos” pelas assinaturas em termos de tempo, eles também se sentiram muito fortemente ligados financeiramente a elas – e descreveram essa relutância em se comprometer com uma única fonte de notícias no contexto mais amplo de fadiga de assinaturas: de precisar gerenciar muitos cadastros, logins, senhas, etc.
De fato, como os autores observam em sua conclusão: “Uma observação geral baseada em nossa análise é que esses jovens não assinantes expressaram uma forte preferência por ‘multiperspectivismo’ em seu uso de notícias. Eles incluíam uma miríade de fontes nacionais e internacionais, eram conhecedores de tecnologia e sabiam como manobrar em torno de modelos de pagamento em busca de informações e eram pragmáticos, mas não ingênuos, ao buscar informações acessíveis. Uma preferência abrangente fundamental era a liberdade de não estar vinculado a uma assinatura. Como tal, parecia impensável “comprometer-se” com um ou dois provedores. As assinaturas foram experimentadas como fardos suplementares e restritivos para seus repertórios de notícias já existentes”.
O Digital News Report 2023 comunga da frustração, ainda que o percentual de pessoas pesquisadas que pagam notícia tenha aumentado de um ano para outro. Em sua newsletter, o instituto traz um artigo intitulado "Como e por que audiências pagam por notícias", partindo da seguinte questão: com os orçamentos domésticos sob pressão, os números da pesquisa sugerem que o crescimento do pagamento de notícias online pode estar se estabilizando. Em uma cesta de 20 países mais ricos, 17% pagam por qualquer notícia online – a mesma cifra do ano passado. A Noruega (olha ela aí de fato) tem a maior proporção de pagantes (39%), com o Japão (9%) e o Reino Unido (9%) entre os mais baixos. Então o Report quatro insights sobre os modelos de receita de leitor via assinaturas. São os seguintes:
Quem cancela e por quê. Entre os que cancelaram a assinatura no último ano, o custo de vida ou o preço alto foram os motivos mais citados. Nos Estados Unidos, Alemanha e Reino Unido, cerca de metade dos não assinantes diz que nada pode convencê-los a pagar por notícias online, com a falta de interesse ou valor percebido sendo obstáculos fundamentais;
O vencedor tende a levar mais. Na maioria dos países, a maioria dos assinantes paga apenas por uma publicação, geralmente a maior, mas nos Estados Unidos, cerca de metade (56%) paga por duas ou mais – uma combinação de jornais nacionais e locais/nichados. Também vemos pessoas pagando por produtos de assinatura de notícias baseados em plataformas, como o Apple News+ (18% dos assinantes dos EUA);
Estratégias para pagar menos. Cerca de um em cada cinco assinantes de notícias (23% em média) diz ter cancelado pelo menos uma de suas publicações de notícias em andamento, enquanto um número semelhante diz que negociou um preço mais barato (23%). Ao mesmo tempo, outros fizeram novas assinaturas, muitas vezes usando uma oferta de teste barata em veículo onde já tinham assinatura de modo a barateá-la;
As razões. Em todos os mercados, o motivo mais importante para assinar é ter acesso a um jornalismo mais confiável e inovador (51% em média). Uma segunda razão, particularmente prevalente nos Estados Unidos, é financiar o bom jornalismo. Percebe-se menos isso na Europa talvez porque os consumidores europeus sintam que já pagaram por isso com seus impostos para financiar emissoras de serviço público. A identificação com a marca e sua política editorial são importantes no Reino Unido e nos EUA, mas menos importante na Alemanha.
Conclui Nic Newman, coordenador do relatório: “Estamos em um lugar muito melhor do que estávamos há dez anos. Em muitos países, existe agora uma minoria significativa disposta a pagar por notícias. Mas não estamos realmente vendo o crescimento acelerado desse grupo e a dinâmica beneficia um pequeno número de grandes marcas nacionais”.
Então você me perguntaria: como atrair pagantes? A resposta está no último item: um jornalismo confiável e inovador. A inovação, pelo que se percebe ao estudar as novas mídias digitais, está tanto no formato quanto no conteúdo. Falar sobre coisas/gente/situações/políticas sobre as quais raramente se lê é uma fórmula. Chegar a leitores com formatos arrojados é outro. Neste item, vale de quadrinhos e webséries até podcasts e newsletters. Ficou mais difícil, para a mídia, fingir que é imparcial quando tem um lado claramente definido e não está do lado do interesse público, mas do interesse de um grupo manipulado para parecer de interesse público. Ou quando um fato revela que a cobertura precisa ser questionada, mas não há cortagem para tanto.
Um exemplo simples: com exceção da chamada de capa da Folha, vi pouca repercussão, na mídia tradicional, sobre a decisão do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) que ontem manteve, por 3 votos a 0, a decisão de primeira instância que arquivou ação contra a ex-presidente Dilma Rousseff no caso das pedaladas fiscais. Um jornal que se pretende isento não pode minimizar um fato quando o caso das pedaladas foi usado como base para o processo de impeachment da petista em 2016. Ainda que episódios de improbidade administrativa tenham sido “flexibilizados” pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (e isso tenha beneficiado Rousseff), todo o tema é muito importante - e até histórico - para que a mídia simplesmente o minimize e suas implicações.
Em resumo: o jornalismo de verdade, aquele focado no interesse público e com o objetivo de fiscalizar os poderosos num país amargamente desigual como o Brasil (entre vários), turbinado por formatos de acesso mais fácil, inovadores e amplos, continua valendo a pena consumir, mesmo que pagando.