Mas de onde vem o dinheiro que banca as startups de jornalismo digital? Parte 3
Continuando o tema sobre monetização de iniciativas empreendedoras digitais em jornalismo e mídia, vamos fechar a teoria para a gente entrar nos exemplos práticos na próxima quinzena
De volta ao estudo do Innovation Media Consulting Group e sua lista de “Onze modelos de receitas para editores”, artigo já publicado no Portal Imprensa. Esses modelos são divididos em três grandes grupos e a gente ficou de destrinchar, nesta quinzena, a gente vai falar dos modelos voltados para outros negócios (B2B) e modelos de maximização de ativos. Vamos a eles:
B) VOLTADOS PARA OUTROS NEGÓCIOS (B2B)
6) O editor que se banca com publicidade: conteúdo patrocinado, matéria paga e programática
– Voltado para anunciantes interessados em desenvolver e distribuir mensagens associadas a suas marcas e às necessidades da audiência, que geralmente é nichada. Exemplos: Quartz (Estados Unidos), The Atlantic (Estados Unidos), Guardian Labs (UK).
Essas empresas estão entre as poucas que ainda sobrevivem com modelos robustos, mas dependentes de publicidade, especialmente pela alta segmentação e sofisticação do perfil de seus consumidores. Fazem conteúdo patrocinado, mas voltado a grandes temas ligados às marcas, dificilmente ao produto ou serviço, especificamente. E a programática, mais simples (e bastante usada no Brasil), mas arriscada porque geralmente dá um ar jornalístico a um conteúdo que é essencialmente publicitário, quando não desinformador (conheça a raiz da Amazônia que vai te deixar com uma ereção de dias). Nessa linha.
7) O editor como uma agência: vendendo conteúdo patrocinado
– Voltado para anunciantes sem a capacidade de contratar agências para criar publicidade para seu público. Exemplos: 23 Stories, da Condé Nast (Estados Unidos), Remezcla (Estados Unidos), NBCUniversal Catalyst (Estados Unidos).
Aproveitando seu potencial de geração de conteúdo, essas empresas estabeleceram equipes criativas e editoriais para criar campanhas de marketing completas e geração de conteúdo patrocinado para anunciantes que podem ser disseminados por seus próprios veículos. O modelo é dependente da capacidade de sua equipe de marketing de competir com as agências de publicidade tradicionais com estratégias financeiramente competitivas e excelente serviço para um público cativo/nichado.
8) O editor como gerador de dados: marketing de banco de dados
– Voltado para anunciantes que queiram gerar impacto para suas campanhas por meio de bancos de dados gerados pelas informações sobre os usuários da empresa. Exemplos: ProPublica (Estados Unidos), Schibsted (Noruega).
Com o surgimento da publicidade programática, é importante ter acesso a seu próprio banco de dados, para poder utilizá-lo internamente e também oferecê-lo a campanhas de marketing de terceiros. Classificados e verticais também são importantes meios de obtenção de dados, aumentando o volume e a qualidade da informação armazenada sobre a audiência.
C) MAXIMIZANDO SEUS ATIVOS
9) O editor como licenciador de marcas: desenvolvendo novos produtos e serviços
– Quando o valor intangível da marca é alto, vale aproveitá-lo por meio de seu licenciamento para outros produtos ou serviços, gerando novas fontes de renda. Exemplos: Disney (Estados Unidos), Playboy (Estados Unidos), Meredith (Estados Unidos), National Geographic (Estados Unidos), BBC (Grã-Bretanha).
Todas essas marcas detêm alto nível de reconhecimento, credibilidade e aceitação por parte de suas audiências. Ao desenvolverem novos produtos e serviços com seus selos de qualidade, elas podem gerar novas fontes de renda. Na maioria dos países, empresas de comunicação têm um bom nível de aceitação e visibilidade de suas marcas; um ativo intangível, que, se bem utilizado, pode aumentar receitas com negócios adicionais.
10) O editor como fornecedor de TI: vendendo aplicativos
– Quando o departamento interno de TI desenvolve produtos eficazes, empresas de comunicação podem oferecer consultoria e licenças de aplicativos para outras como forma de aumentar sua eficiência operacional. Exemplos: The Washington Post com ARC (Estados Unidos), Quartz (Estados Unidos), The Atlantic (Estados Unidos), Svenska Dagbladet (Suécia).
Infelizmente, são poucas as empresas de comunicação que podem oferecer esse tipo de serviço. O modelo depende do desenvolvimento de uma cultura de negócio, vendas e consultoria pela equipe de TI, para que possam oferecer serviços para clientes internos e externos.
D) VOLTADO PARA A DIVERSIFICAÇÃO
11) O editor como investidor: lance um fundo
– Voltado para investimento em novos e promissores negócios em troca de publicidade. Exemplos: Thomson Reuters Ventures (Grã-Bretanha), NewsUK (Grã-Bretanha), The Guardian (Grã-Bretanha, hoje conhecida como Mercuri).
Por meio de parcerias com outras empresas do mesmo setor, elas criaram fundos especializados para investir em negócios de mídia emergentes. É fundamental que haja uma comunidade bem desenvolvida de fundos de investimento privado para trabalhar em parceria com as empresas de comunicação, a fim de que os negócios possam ser corretamente avaliados.
Quinzena que vem entramos em modelos de captação de recursos mais conhecidos, compilados pela SembraMedia, da qual já falamos aqui. Até lá.
Alguns highlights do NiemanLab nessas últimas semanas:
O New York Times faturou mais de US$ 1 bilhão com assinaturas digitais em 2023: "O "New York Times" encerrou 2023 com 10,36 milhões de assinantes, incluindo 9,7 assinantes apenas digitais, de acordo com um relatório de final de ano apresentado aos investidores na primeira semana de fevereiro. O Times adicionou 300.000 novos assinantes apenas digitais nos últimos meses de 2023, mais do que em qualquer trimestre do ano anterior. O Times agora obtém mais que o dobro da receita com assinaturas digitais do que com assinaturas impressas. A receita de assinaturas digitais totalizou US$ 1,09 bilhão em 2023".
Bem americana essa, mas vale porque fala de filantropia bancando jornalismo e a importância de associações de iniciativas jornalísticas digitais, como a AJOR: Os padrões da filantropia deixam para trás as pequenas redações. Isso pode mudar?
"No mundo das notícias sobre organizações sem fins lucrativos, é do conhecimento geral que garantir o financiamento para sobreviver é uma batalha difícil. Mas as 32 redações sem fins lucrativos que aderiram à Alliance of Nonprofit News Outlets (ANNO) desde agosto passado, a maioria composta por pequenas redações locais como o Ally e o Post, dizem que, além dessa dificuldade geral, padrões específicos na forma como o financiamento da fundação é distribuído os coloca desproporcionalmente em desvantagem". Ou seja, as entidades filantrópicas querem dar mais dinheiro para programas de cesta básica do que de mídia. A leitura vale porque as filantrópicas brasileiras são iguaizinhas, o que não significa que isso esteja mudando de alguma forma (a gente vai falar falar sobre isso depois numa newsletter especial).
Como uma ética do cuidado pode curar os danos do jornalismo: “…Esse cenário (Torne o conteúdo inclusivo! Ouça mais! Diversifique sua redação!) é demasiado familiar e desanimador para muitas redações – mas não é inevitável, como ilustram Sue Robinson e Patrick Johnson no seu artigo recentemente publicado na revista Journalism Studies, “Retificando danos através de práticas baseadas em cuidados: como os jornalistas podem desengajar comunidades.” Na verdade, há muito problema no jornalismo nos dias de hoje - basta testemunhar as muitas demissões da mídia (americana) em janeiro - mas Robinson e Johnson oferecem uma pitada convincente de otimismo baseado em evidências, pelo menos quando se trata de capturar como os jornalistas podem aprender a ouvir e envolver-se de forma mais proativa, e por que razão isso pode levar a jornalistas que são “mais receptivos, flexíveis e empáticos com o público”. Tem gente que chama isso de “Jornalismo de Soluções". Acho digno e necessário.