Mas de onde vem o dinheiro que banca as startups de jornalismo digital? Parte 2
Continuando o tem aberto na quinzena passada, vamos estudar os casos das empresas nativas digitais brasileiras e gringas de mídia e jornalismo e entender como elas se bancam.
De volta ao estudo do Innovation Media Consulting Group e sua lista de “Onze modelos de receitas para editores”, artigo já publicado no Portal Imprensa. Esses modelos são divididos em três grandes grupos e a gente ficou de destrinchar, nesta quinzena, os modelos voltados para o consumidor final, aqueles que no jargão do empreendedorismo é conhecido como B2C (ou seja, Business to Consumer). Como eu disse, é uma lista interessante de se estudar antes de falarmos dos modelos mais comuns entre as plataformas digitais pesquisadas (as nativas), até porque esses modelos apresentados se referem muito a veículos já estabelecidos ou que fizeram bem sucedidas transições do impresso para o digital. É óbvio que há diferenças na aplicação do modelo quando a gente compara veículos tradicionais de mídia (e aqui é muito os da gringolândia) de veículos nativos digitais recentes. Mas o fundamento da coisa, ao fim e ao cabo, se aplica em vários aspectos. Vamos a eles:
A) VOLTADOS PARA O CONSUMIDOR (B2C)
1) O editor de conteúdo pago: assinaturas e micropagamentos (pagamento por artigo individual ou grupo de artigos limitados)
– Voltado para um consumidor leal e exigente, que valoriza conteúdo relevante e objetivo produzido pelas principais empresas de jornalismo. Exemplos: The New York Times (Estados Unidos), The Economist (Grã-Bretanha. Você já cai numa página de opção de assinatura anual ou mensal), The Washington Post (Estados Unidos).
Eles são claramente líderes mundiais, com altos níveis de credibilidade, cobertura e lealdade por parte de seus leitores. Fizeram uma bem sucedida transição para o digital, sabem usar suas ferramentas e possibilidades e se aproveitam da antiga base de assinantes offline/leitores fiéis numa base de dados. Adotaram várias formas de pagamento de conteúdo, que permitem sustentar o modelo de negócio. Somente aqueles com jornalismo forte e de qualidade, além de engajamento com suas comunidades, são capazes de sobreviver com esse modelo.
2) O editor filantrópico: crowdfunding
– Voltado para o consumidor disposto a contribuir para empresas de comunicação com fidelidade, apoiando conteúdo claramente independente, de qualidade e com credibilidade. Exemplos: The Guardian (Grã-Bretanha), De Correspondent (Holanda), Mother Jones (Estados Unidos).
Esse modelo é recomendado para iniciar um negócio ou um projeto específico, mas com o objetivo de depois garantir a sustentabilidade por meio de outros métodos, como assinaturas ou publicidade. Alghuns veículos mais ideológicos apostam fundo nesse modelo, caso do The Intercept Brasil, por exemplo. Esse modelo tende a crescer apenas em economias já bastante desenvolvidas, diz o estudo (há controvérsias, especialmente num cenário onde a mídia tradicional vem sendo bombardeada por colocar interesses empresarias acima do interesse público ou do leitor). O crowdfunding, neste sentido, se transformou numa especie de “garantia de independência” porque é o leitor que mantém viva a produção jornalística, não empresas via anúncios ou patrocínios. Mas é bom estar atento porque alguma legislação local pode limitar o uso de crowdfunding, dependendo das intenções de um governo mais ou menos pró-jornalismo independente (a gente falou sobre isso na newsletter de Viabilidade Midiática, embedada aqui embaixo).
3) O editor como lojista: verticalização, e-commerce
– Voltado para consumidores com necessidades e perfis bem segmentados e dispostos a satisfazer suas necessidades de consumo com um portfólio de produtos e serviços. Exemplos: Net-a-Porter (Grã-Bretanha, é um veículo de cobertura de moda e também um e-commerce), BuyaCar (Grã-Bretanha, é um e-commerce que faz resenhas e artigos sobre carros e outros veículos), Future Publishing (Grã-Bretanha, um amalgamado de marcas e veículos com uma forte estratégia marketeiríssima por trás de tudo).
Essas empresas buscam focar claramente em um nicho com conteúdo e ofertas que são exclusivas e atraentes, levando a um aumento de interesse por seus produtos e por parte de anunciantes. Com o crescimento do comércio eletrônico, mais empresas terão que desenvolver esse modelo, independentemente ou por meio de parcerias. O fundamental é entender totalmente a audiência para sobreviver com esse modelo.
Alguém pode ponderar que revistas especializadas são isso, certo? Bem, nem de longe. Note que a plataforma oferece conteúdo, publicidade e a própria possibilidade de compra do que está sendo objeto dos artigos. Ah, mas então deve ser difícil achar algo que a plataforma fale mal. Depende do nível de independência conquistado. Chequem.
4) O editor como organizador de eventos: lançando eventos com sua marca
– Voltado para consumidores atraídos pela qualidade e credibilidade da marca e de seus eventos. Exemplos: Hearst Live (Estados Unidos), Spirited Media (Estados Unidos), The Atlantic (Estados Unidos), La Nación (Costa Rica).
Essas empresas consolidaram o desenvolvimento de eventos para todas as suas marcas numa área única de venda de ingressos e patrocínio, ou optaram pela criação de unidades independentes, mas alinhadas com o crescente interesse do consumidor em participar ativamente de novas experiências. Mas notem que não é a aquele evento jabazeiro da associação empresarial para convidar executivo e ministro e ficar falando sobre a nova reforma tributária. É evento grande ligado ou aos temas das publicações editadas de interesse do leitor ou diretamente aos interesses dos leitores (caso de eventos de jornalismo local).
5) O editor como um clube: assinatura
– Voltado para consumidores que, por meio de assinaturas, não só têm acesso aos produtos editoriais, mas também a descontos para uma gama de produtos e serviços. A assinatura anual pode ser “ganha” por meio desses descontos. Exemplos: La Nación (Argentina), El Tiempo (Colômbia), The Atlantic (Estados Unidos), The Guardian (Grã-Bretanha).
Todas estas empresas criaram uma robusta lista de benefícios, que dão acesso privilegiado a eventos, estreias e descontos em vários produtos e serviços. Isso exige uma estratégia ativa de telemarketing, para garantir que os membros estejam satisfeitos e que se mantenham leais. Vai muito além do velho “clube de assinante". É uma relação muito mais ativa e atenta ao que rola hoje e que interesse ao leitor. Por exemplo: descontos exclusivos para leitores do veículo X nos cinemas que exibem os filmes candidatos aos Oscar de 2024.
Quinzena que vem, em todos sobreviventes ao Carnaval, a gente vai falar dos modelos voltados para outros negócios (B2B) e modelos de maximização de ativos. A gente se fala.
Rápidas
Deu em um monte de jornais: no dia 2 de fevereiro, a União Europeia aprovou um texto que regula o uso de Inteligência Artificial (IA). "Estamos felizes em anunciar que os embaixadores [dos 27 países da UE] confirmaram unanimemente o texto da proposta sobre normas comuns sobre IA", anunciou a delegação da Bélgica, que ocupa a presidência semestral do bloco. Mais para frente, o Parlamento Europeu irá realizar uma votação final do projeto. Com ele aprovado, ainda haverá um período antes que a nova legislação entre em vigor.
Para quem quer entender melhor os pontos da lei, dá uma olhada aqui.
A Online News Association (ONA) anunciou, com recursos da Microsoft, um ano de um programa sobre IA que visa informar, educar e convocar jornalistas para discutir soluções e políticas sobre o tema e ampliar as melhores práticas em todo o setor. A programação incluirá sessões de laboratório para testar ferramentas, treinamento prático e um encontro mensal de inovadores para compartilhar experiências com profissionais de jornalismo. Interessados em se inscrever no programa devem acessá-lo aqui. Ah, para fazer o programa tem que ser membro da ONA, pelo que eu entendi.
Poderá a desinformação influenciar significativamente uma eleição? Um artigo no Nieman Lab com base vários estudos sobre fake news e votações eleitorais tenta medir esse impacto. "A conclusão geral de todos estes estudos é que é difícil estabelecer uma influência causal confiável da desinformação na votação. Um dos motivos foi que em quem as pessoas dizem que votam e como realmente votam podem ser muito diferentes. E quanto a grupos específicos de eleitores? Haverá alguns que são mais influenciados pela desinformação do que outros? A filiação política não parece importar. As pessoas tendem a classificar as notícias falsas como precisas quando estão de acordo com as suas próprias crenças políticas… Em última análise, a maioria das pesquisas sugere que as notícias falsas têm maior probabilidade de reforçar as crenças e pontos de vista já existentes, em vez de mudar radicalmente as intenções de voto dos indecisos". O artigo é uma excelente relfexão. Leitura obrigatória para este ano de eleições locais no Brasil.